|Release| Intermitências — Jonathan Tadeu
Intermitências não é um álbum sobre a pandemia. É importante registrar essa informação pois, apesar de ter sido completamente produzido no período daquilo que viemos a chamar de “quarentena” (insira muitas aspas), o novo álbum de Jonathan Tadeu provoca outras feridas, levanta outras questões.
Intermitências não é um álbum sobre pandemia, portanto: talvez seja sobre se encontrar ainda que na solidão, no vazio de uma vida fatigada pela rotina, na percepção de que talvez falte ânimo pra aguentar lugares e pessoas e que, sim, alguns lugares e pessoas precisam ir embora.
Essas reflexões já se mostram nos primeiros singles lançados, Éramos Jovens Emocionados, Penso e Perco Tempo e Sentir Ódio Cansa.
As três faixas ganharam clipes — todos eles gravados em casa. Nesses vídeos não encontramos apenas a rotina do artista, mas também de seu público. Mesmo de perspectivas diferentes, esses clipes mostram que estamos todos mais ou menos no mesmo barco, aprendendo a lidar com a solidão e a instabilidade em tempos como esses. Penso e Perco Tempo, inclusive, foi a primeira composição de Jonathan Tadeu que deu fôlego para o restante do disco — apesar de as coisas não terem caminhado exatamente como o previsto, como ele mesmo conta:
“Compus essa música em fevereiro deste ano, me deu o maior gás pra finalmente pensar em disco novo. Junto com isso, eu tinha acabado de passar numa entrevista de emprego novo, com previsão de início na primeira semana de março. Pedi demissão do emprego atual, fiquei de aviso até o dia 20 de março, foi uma sexta-feira. No fim de semana, anunciaram a quarentena. Foi o último fim de semana com tudo aberto. E, na segunda-feira, eu acabei perdendo o emprego novo.”
Intermitências acabou sendo um álbum criado em um momento difícil, que, em contrapartida, poderá servir de companhia e consolo para quem o escuta. Foi o primeiro álbum todo gravado e mixado por Jonathan Tadeu, em sua casa, entre março e setembro deste ano.
Como de praxe, alguns amigos colaboraram com o projeto, também de suas casas: também da Geração Perdida, Pedro Flores toca guitarra em Palestra Motivacional e Fernando Motta faz backing vocals em Éramos Jovens Emocionados. Luden Viana, da banda E a Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante toca guitarra em É Difícil Encontrar um Amigo, e Vitor Brauer cuidou da masterização.
Intermitências é também sobre encontrar conforto, ainda que na falta de esperança. É a libertação de entender onde se está e então, compreender o todo. Não é sobre nostalgia, que sufoca a percepção de espaço-tempo, muito menos sobre a falta, que por vezes é mais romântica que racional.
É, principalmente, sobre autoconhecimento, sobre tentar entender onde se está e para onde se vai.
A faixa que encerra o álbum, É Difícil Encontrar Um Amigo, conta com um trechinho de Aquarela do Brasil, na versão melancólica de Francisco Alves; esse final bota a gente pra pensar ainda mais em nossas perspectivas de vida, no país em que estamos vivendo e no agora.
Mas a esperança, afinal, é o que nos motiva a continuar pensando que a realidade dura lá fora pode (e deve) ser vencida. Que não devemos nos calar, ainda que muitos digam que sim.
Mais uma vez, Jonathan Tadeu fala de coisas dolorosas com simplicidade e uma sinceridade que confortam muito mais do que machucam.
Em tempo: Intermitências também faz referência ao livro de José Saramago, As Intermitências da Morte. Mas isso já é outra história.
*Resenha enviada à imprensa para a divulgação do álbum lançado em 2020